"Pensei durante muito tempo que a escapatória deste labirinto era fingir que ele não existia, construir um mundo pequeno e auto-suficiente num canto obscuro do interminável labirinto e fingir que não me encontrava perdida, mas sim em casa. Mas isso só me levou a uma vida solitária e fiz asneira e ele escapou-me por entre os dedos. E não há maneira de adocicar a coisa: podíamos ter sido melhores um para o outro.. Porque irei esquecê-lo, sim. Aquilo que se uniu irá desmoronar-se com uma lentidão imperceptível, e eu irei esquecer, mas ele perdoará o meu esquecimento, tal como eu lhe perdoo por me ter esquecido a mim e à avó e a toda a gente menos a si mesmo e aos seus pesares naqueles últimos momentos que passou sob a forma de pessoa. Sei agora que ele me perdoa por ter sido fria e orgulhosa. Sei que ele me perdoa tal como eu o perdoo a ele. E eis a razão porque o sei: De inicio pensei que ele estava apenas morto. Somente trevas. Somente um corpo a ser engolido pela
terra, comido por larvas. Pensei muito nele dessa maneira, como a refeição de um bicho qualquer. O que era ele, em breve passaria a ser nada, apenas os ossos que eu nunca vi. Refleti no longo processo de se tornar apenas osso, de se transformar em fóssil e depois em carvão, que, daqui por milhões de anos, será extraído das minas por humanos do futuro, e no modo como estes irão aquecer as suas casas com ele, que depois se transformaria em fumo e ondularia para fora da chaminé revestindo a atmosfera. Por vezes ainda penso nisso, penso que talvez o "Além" seja apenas algo que inventamos para aliviar a dor da perda, para tornar suportável o nosso tempo no labirinto. Talvez ele fosse só matéria, e a matéria é reciclada. Mas em última análise, não acredito que ele fosse só matéria. O que resta dele também deve ser reciclado. Hoje em dia acredito que somos mais do que a soma das nossas partes. Se pegarmos no código genético do meu pai e lhe acrescentarmos as experiências de vida e as relações que teve com as pessoas, e depois lhe tomarmos o tamanho e a forma do corpo, não o obteremos a ele. Existe uma outra coisa, completamente diferente. Existe uma parte dele que é mais do que a soma das suas partes reconhecíveis. E essa parte tem de ir para algum lado, porque não pode ser destruído. Embora nunca ninguém me vá acusar de ter sido uma excelente aluna a ciências, uma coisa que aprendi nas aulas de Ciências é que a energia nunca se cria nem se destrói. E, se ele acabou com a sua própria vida, é essa a esperança que eu desejava poder ter-lhe dado. Perder o emprego, desiludir a família, não se sentir amado pela filha são coisas horríveis, mas ele não precisava de se virar para dentro e se autodestruir. É possível sobreviver a essas coisas horríveis, porque nós somos tão indestrutíveis como acreditamos ser. Quando os adultos dizem que "os adolescentes pensam que são invencíveis", com aquele sorriso matreiro e parvo no rosto, não sabem a razão que têm. Nunca precisamos de não ter remédio, porque nunca podemos estar irremediavelmente quebrados. Achamos que somos invencíveis porque somos. Não podemos nascer e não podemos morrer. Tal como toda a energia, apenas podemos mudar as formas, os tamanhos e as manifestações. Eles esquecem-se disso quando envelhecem. Ficam com medo de perder e de falhar. Por isso eu sei que ele me perdoa, tal como eu o perdoo a ele. As últimas palavras de Edison foram: "É tudo muito belo ali". Eu não sei onde fica "ali", mas sei que é algures, e espero que seja belo." adaptado